Paraty e a lenda da noiva fantasmagórica
Conto reescrito por Miguel Ramos
E assim disse o contador de histórias: ´´Foram-se junto a maresia os cantadores, subindo a serra em direção ao vale da Paraíba. Cantariam a anunciação do casamento e da união entre as duas mais nobres famílias de Paratii. A cidade nunca presenciara tamanha agitação: cozinheiros preparando pratos estrangeiros, mulheres bordando cortinas, tapetes e vestidos, homens ocupados com com a contratação da banda, crianças correndo pela praia a procura de belas conchas para mimar a noiva.
Chegara finalmente o dia por todos tão aguardado, o dia da cerimônia. Todos os sujeitos importantes da cidade se reuniram dentro da igreja de Santa Rita para aguardar o início da cerimônia, e aqueles sujeitos não tão importantes, fizeram o possível para achar acomodação dentro da igreja, e os que não conseguiram, se contentaram com o gramado do lado de fora. Ao altar, o padre ajustava sua batina e verificava os preparativos discretamente. O noivo passava os dedos aflitos sobre a aliança que se encontrava em um dos bolsos de seu traje pomposo e tentava, entre lábios, repassar suas falas e votos. O pai da noiva, próximo ao genuflexório, lembrava de sua filha quando criança e refletia sobre o estranho sentimento que se instalava em seu estômago naquele momento. O pescador tentava exasperadamente atenuar o forte cheiro de peixe impregnado em suas mãos, por às esfregar nas paredes da igreja. Todos estavam esperando a noiva. E ela não chegava.
Dali alguns momentos, foi sugerida a ideia de verificar se tudo corria bem com noiva, e então enviaram suas damas de honra para a tarefa.
Ao chegarem em sua casa, encontraram-na desfalecida no chão, inerte, sem sinal algum de vida.
A notícia foi recebida com muita dor, com lamentações e especulações. Por um dia e uma noite, a cidade chorou. Instrumentos foram guardados, vestidos dobrados e belas conchas atiradas ao mar.
Na manhã seguinte, o padre ajustava sua batina para dirigir o enterro da noiva, que seria realizado nas catacumbas da própria igreja de Santa Rita.
O noivo, inconformado, passou a andar e chorar, todas as noites, cidade adentro em procura de sua amada, chamando-a, buscando-a. Ao final de cada busca, o noivo se repousava sobre a pedra do bebedouro que existia em frente a igreja, e pensava, e lembrava de seu amor,e questionava aos céus a razão te ter terem-na levado.
Em uma noite, enquanto o noivo descansava o olhar na igreja, um vulto com de vestido branco saiu do mausoléu, foi até o bebedouro e bebeu, bebeu como se nunca tivesse sentido o frescor de água antes. Talvez por surpresa, por felicidade ou por medo, o rapaz não lhe conseguiu dirigir palavra,e assistiu, atônito, o vulto voltar para dentro das catacumbas.
Eufórico, talvez desesperado, correu e gritou por seu pai, seu vizinho, pelo padre, pelo delegado e por quem estivesse a escutar que ele havia encontrado sua noiva. Tomado por louco, o noivo foi afastado da cidade e enviado para passar três meses no campo, onde pudesse reordenar seus sentimentos.
Passados estes três meses, o noivo retornou a Paratii, e retornou também a pousar seu olhar sobre a igreja durante as madrugadas. Foi durante uma noite de lua cheia, quando a luz do luar bateu sobre as portas das cataumbas, que ele viu novamente o vulto vestido de branco sair e se dirigir ao bebedouro. Desta vez, correu mais do que suas pernas permitiam e gritou pelo povo da cidade. E todo o povo viu. As crianças correram para perto de suas mães, o pai do noivo correu para sua casa, o padre se agarrou ao seu crucifixo e o delegado tentou atirar contra o vulto, em vão, pois como se mata alguém que já está morto?
Em seguida, a imagem de branco se aproximou calma e delicadamente do noivo, que de prontidão lhe indagou: ´minha querida, por que se foi desta maneira? O que aconteceu com você?´ e obteve a seguinte resposta: ´meu amor, morri de sede. Estou com muita sede´. E assim como veio, o vulto se foi.
Logo, foi decidido que era necessária uma reforma na igreja para afugentar os maus espíritos, e ao removerem o caixão da noiva das catacumbas, ele se partiu. E então viram o seu corpo: estava de bruços, evidenciando o acesso de catalepsia.´´

